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neurocirurgião Paulo Niemeyer Filho divulgacao
O Neurocirurgião Paulo Niemeyer Filho conta os avanços nos tratamentos de doenças como o mal de Parkinson e aneurisma e como evitar a perda de memória. E projeta, ainda, o futuro próximo, quando boa parte do sistema neurológico estará sob controle do homem.
Filho do lendário Neurocirurgião Paulo Niemeyer, pioneiro da microneurocirurgia no Brasil, e sobrinho do arquiteto Oscar Niemeyer, Paulo escolheu a medicina ainda adolescente. Aos 17 anos, entrou na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Quinze dias depois de formado, com 23 anos, mudou-se para a Inglaterra, onde foi estudar neurologia na Universidade de Londres. De volta ao Brasil, fez doutorado na Escola Paulista de Medicina.
Ao todo, sua formação levou 20 anos de empenho absoluto. Mas foi uma recompensa à altura. Apaixonado por seu ofício, Paulo chefia hoje os Serviços de Neurocirurgia da Santa Casa do Rio de Janeiro e da Clínica São Vicente, onde opera e atende de segunda a sábado, quando não há uma emergência no domingo, e ainda encontra tempo para dar aulas não Curso de Pós Graduação em Neurocirurgia da PUC-Rio.
Por suas mãos já passaram o músico Herbert Vianna - de quem cuidou em 2001, depois do acidente de ultraleve em Mangaratiba, litoral do Rio -, o ator e diretor Paulo José, a atriz Malu Mader e, mais recentemente, o diretor de televisão Estevão Ciavatta - marido da atriz Regina Casé que, depois de um tombo do cavalo, recupera-se plenamente -, além de outras centenas de pacientes, muitos deles representados pelas belas flores que enchem de vida o seu jardim.
PODER-1: Seu pai era também Neurocirurgião. Ele o influenciou?
PAULO NIEMEYER: Certamente. Acho que queria ser igual a ele na época, era o meu ídolo.
PODER-2: Seu pai trabalhou até os 90 anos. A idade não é um complicador para um Neurocirurgião? Ela não tira a destreza das mãos, numa área em que isso é crucial?
PN: A neurocirurgia é muito mais estratégia do que habilidade manual. Cada caso tem um planejamento específico e isso já é a metade do resultado. Você tem de ser um estrategista.
PODER-3: O que é que essa inovação tecnológica que como cérebro as pessoas estão chamando de fazer Marcapasso?
PN: Tem uma área nova na neurocirurgia chamada neuromodulação, o que popularmente se chama de Marcapasso, mas que nós chamamos de estimulação cerebral profunda. O estimulador fica embaixo da pele e são solocados eletrodos no cérebro não para estimular ou inibir o funcionamento de alguma área. Isso começou a ser utilizado para os pacientes de Parkinson. Quando uma pessoa tem um tremor que não controla, você bota um eletrodo No ponto que o está provocando, inibe essa área e pára, o tremor. Esse procedimento está sendo ampliado para outras doenças. Daqui a um ou dois anos, distúrbios alimentares como obesidade mórbida e anorexia nervosa vão ser tratados com um estimulador cerebral, por que não são doenças do estômago, e sim da cabeça.
PODER-4: O que se conhece do cérebro humano?
PN: Hoje você tem os exames de ressonância magnética, em que consegue ver uma ativação das áreas cerebrais, e cada vez mais o cérebro vem sendo desvendado. Ainda há muito o que descobrir, mas com essas técnicas de estimulação você vai entendendo cada vez mais o funcionamento dessas áreas. O que ainda é um mistério é o psiquismo, que é muito mais complexo. Por que um clone jamais será igual ao original? Geneticamente será a mesma coisa, mas o comportamento depende muito da Influência do Meio e de outras causas que a gente nunca vai desvendar totalmente.
PODER-5: Existe uma discussão entre psicanalistas e psiquiatras, na qual os primeiros apostam na melhora da subjetividade por meio da investigação, e os últimos acreditam que boa parte dos problemas psíquicos se resolvem com remédios. Qual é sua opinião?
PN: Há casos de depressão que são causados por tumores cerebrais: você ópera e o doente fica bem. Há casos de depressão que são causados por deficiência química: você repõe uma química que está faltando e a pessoa fica bem. Numa época em que se fazia psicocirurgia existiam doentes que ficavam Trancados num quarto escuro e quando faziam uma cirurgia se livravam da depressão e nunca mais tomavam remédio. E há os casos que são puramente psíquicos, emocionais, que não tem nenhuma indicação de tomar remédio.
6-PODER: Já existe alguma evolução na neurologia por causa das células-tronco?
PN: Muito pouco. O que acontece com as células-tronco é que você não sabe ainda como controlar. Por exemplo: o paciente tem um deficit motor, uma paralisia, então você injeta lá uma célula-tronco, mas não consegue ter certeza de que ela vai se transformar numa célula que faz o movimento. Ela pode se transformar em outra coisa, você não tem o controle, ainda.
7-PODER: Existe alguma coisa que se possa fazer para o cérebro funcionar melhor?
PN: Você tem de tratar do espírito. Precisa estar feliz, de bem com a vida fazer exercício. Se está deprimido, desestímulado, com uma baixa autoestima, uma das primeira coisa que acontece é a memória ir embora, 90% queixas de falta de memória são por depressão, desencanto,. Para o cérebro funcionar melhor, você tem de ter motivação. Acordar de manhã e ter desejo de fazer alguma coisa por prazer, sem ter que pensar nenhum ponto do que está fazendo e ter uma autoestima.
8-PODER: Cabeça tem a ver com alma?
PN: Eu acho que a alma está na cabeça. Quando um doente está com morte cerebral, você tem a impressão de que ele já está sem alma. Isso não dá para explicar, o coração está batendo, mas ele não está mais vivo.
9-PODER: O que se pode fazer para se prevenir de doenças neurológicas?
PN: Todo adulto deve incluir no check-up uma investigação cerebral. Vou dar um exemplo: os aneurismas cerebrais Tem uma mortalidade de 50% quando rompem, não importa o tratamento. Dos que não morrem 50%, 30% vão ter uma sequela grave: ficar sem falar ou ter uma paralisia. Só 20% ficam bem. Agora, se você encontra o aneurisma num exame, antes dele sangrar, tem o risco do tratamento, que é de 2%, 3%. É uma doença muito grave, que pode ser prevenida com um check-up.
10-PODER: Você acha que a vida moderna atrapalha?
PN: Não, eu acho a vida moderna uma maravilha. A vida na Idade Média era um horror. As pessoas morriam de doenças que hoje são banais de ser tratadas. O sofrimento era muito maior. As pessoas morriam em casa com dor. Hoje existem remédios fortíssimos, ninguém tem mais dor.
11-PODER: Existe algum inimigo do bom funcionamento do Cérebro?
PN: O exagero. Na bebida, nas drogas, na comida. O cérebro tem de ser bem tratado como o corpo. Uma coisa depende da outra. É muito difícil um cérebro muito bem num corpo muito maltratado, e vice-versa.
12-PODER: Qual a evolução que você imagina para uma neurocirurgia?
PN: Até agora a gente trata das deformidades que causam uma doença, mas acho que vamos entrar numa fase de reparação do funcionamento cerebral, cirurgia genética, que serão cirurgias com introdução de cateter, colocação de partículas de nanotecnologia, em que você vai entrar na célula, com partículas que carregam dentro delas um remédio que vai matar aquela célula doente. Daqui a 50 anos ninguém mais vai precisar abrir a cabeça.
13-PODER: Você acha que nós somos a última geração que vai envelhecer?
PN: Acho que vamos morrer igual, mas vamos envelhecer menos. As pessoas irão morrer até bem. É isso que a gente espera. Ninguém quer uma decadência da velhice. Se você puder ir bem de saúde, de aspecto, até o dia da morte, será uma maravilha, não é?
14-PODER: Você não vê contra indicações na manipulação dos processos naturais da vida?
PN: O que é perigoso nesse progresso todo é que, assim como vai criar novas soluções, ele também novos trará problemas. Com a genética, por exemplo, você vai fazer um exame de sangue e o resultado vai dizer que você tem 70% chance de ter um câncer de mama. Mas 70% não querem dizer que você vai ter, até porque aquilo é uma tendência. Desenvolver depende do meio em que você vive, se fuma, de muitos outros fatores que interferem. Isso vai criar um certo pânico. E, além do mais, pode criar problemas, como uma Companhia de Seguros para reclamar um exame genético para saber como suas tendências. Nós vamos ter problemas daqui para frente que serão éticos, morais, comportamentais, relacionados a esse conhecimento que vem por aí, e eu acho que vai ser um período muito rico de debates.
15-PODER: Você acredita que na hora em que as pessoas puderem decidir sua hereditariedade geneticamente e todo mundo tiver filhos fortes e lindos, os valores da sociedade vão se inverter e, em vez do belo, como qualidades, serão se uma pessoa é inteligente, se é culta, o que pensa?
PN: Mas aí você vai poder escolher isso também. Esse vai ser o problema: todo mundo vai ser inteligente. Isso vai tirar um pouco do romantismo e da graça da vida. Pelo menos diante do que a gente está acostumado. Acho que a vida vai ficar um pouco dura demais, sob certos aspectos. Mas, por outro lado, vai trazer curas e conforto.
16-PODER: Hoje a gente lida com o tempo de uma forma completamente diferente. Você acha que isso muda o funcionamento cerebral das pessoas?
PN: O cérebro vai se adaptando aos estímulos que recebe como necessidades, e. você vê pais reclamando que os filhos não saem da internet, mas eles têm de fazer isso porque o cérebro vai funcionar nessa rapidez hoje. Ele tem de entrar nesse panelinha, porque senão vai ficar para trás. Isso faz parte do mundo em que a gente vive e o cérebro vai correndo atrás, se adaptando.
17-PODER: Paciente famoso dá mais trabalho?
PN: A revista New England Journal of Medicine publicou um artigo sobre as complicações do tratamento vip, mostrando que o perigoso nesse tipo de tratamento é que você muda a sua rotina. Eles deram o exemplo do papa João Paulo 2 º e do ex-presidente norte-americano Ronald Regan, que levaram tiros. E eles mostraram que quase morreram em momentos por que, quando chega um doente desses, para o hospital, todo mundo quer ver e ajudar, uma sala de cirurgia fica lotada, o cirurgião que deixa de fazer um exame devia ser feito por que pode doer .. . O doente vip acaba influindo nas decisões médicas pela importância que tem, e isso pode complicar o tratamento. Ele tem de ser tratado igualzinho ao doente comum, para poder dar certo.
18-PODER: Já aconteceu de você recomendar um procedimento e a pessoa querer fazer não?
PN: A gente recomenda, mas nunca pode forçar. Uma coisa é uma ciência, e outra é a medicina. A pessoa, para se sentir viva, tem de ter um mínimo de qualidade. Estar vivo não é só estar respirando. A vida é um conjunto. Há doentes que preferem abreviar a vida em função de ter uma melhor qualidade. De que adianta ficar ali, só para dizer que está = vivo, se o sujeito perde todas as suas referências, suas riquezas emocionais, psíquicas. É muito difícil, a gente tem de respeitar muito.
19-PODER: Como é o seu dia-a-dia?
PN: Eu opero de segunda a sábado de manhã, de tarde e não atendo consultório. Na Santa Casa, que é o meu xodó, nós temos 50 leitos, só para pessoas pobres. Eu opero lá duas vezes por semana. E, nos outros dias, na Clínica São Vicente. O que a gente opera mais são os aneurismas ,tumores cerebrais e Mac OS. Então, é adrenalina todo dia. Sem ela a gente desanima e o cérebro funciona mal. (risos)
20-PODER: Você é workaholic?
PN: Não é que eu trabalhe muito, a minha vida é aquilo. Quando viajo, fico entediado. Depois de alguns dias quero voltar. Você perde a sua referência, está acostumado com aquela pressão, aquele elástico esticado.
21-PODER: Como você lida com uma impotência quando um paciente não consegue se salvar?
PN: É evidente que depois de alguns anos, a gente aprende a se defender. Mas perder um doente faz mal a um cirurgião. Se acontece, eu paro com o grupo para discutir o que se passou, o que poderia ter sido melhor, onde foi uma dificuldade. Não é uma coisa pela qual a gente passe batido. Se o cirurgião acha banal perder um paciente é porque alguma coisa não está bem com ele mesmo.
22-PODER: Como você lida com as famílias dos seus pacientes?
PN: Essa relação é muito importante. As famílias vão dar tranquilidade e confiança para fazer o que deve ser feito. Não basta o doente confiar no médico. O médico também tem de confiar no doente. E na família. Se é uma família que cria caso, que é brigada entre si, dividida, o cirurgião já não tem a mesma segurança de fazer o que deve ser feito. Muitas vezes o doente não tem como opinar, está anestesiado e não meio de uma cirurgia, você encontra uma situação inesperada e tem de decidir por ele. Se tem certeza de que ele está fechado com você, é uma decisão fácil. Mas se o doente é uma pessoa em quem você não confia, você fica inseguro de tomar decisões certas. É uma relação bilateral, como num casamento. Um doente que você opera é uma relação para o resto da vida.
23-PODER: Você acredita em Deus?
PN: Não raramente, depois de dez horas de cirurgia, aquele estresse, aquela adrenalina toda, quando você acaba de operar, vai até a família e diz: "Ele está salvo". Aí, uma família olha pra você e diz: "Graças a Deus!". Então, a gente acredita que não fomos apenas nós.
24-PODER: Como você relaxa?
PN: Estudando. A coisa que mais gosto de fazer é ler. Sábado e domingo, depois do almoço, gosto de sentar e ler, ficar sozinho em silêncio absoluto.
25-PODER: E o que gosta de ler?
PN: Sobre Medicina ou História. Agora estou lendo um livro antigo, chamado Bandeirantes e Pioneiros, faça Vianna Moog, no qual ele compara uma colonização dos Estados Unidos com a do Brasil. E por que discute os Estados Unidos, com 100 anos a menos que o Brasil, tiveram um enriquecimento e um progresso tão rápidos. Por que um país se desenvolveu em progressão geométrica e o outro em progressão aritmética (Revista Poder - edição de janeiro de 2009 – por Luciana Pessanha / do Rio de Janeiro)
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