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Legenda: Aline Thomaz, 42, CEO da rede de hospitais São Camilo, no jardim da unidade Granja Viana, em Cotia (SP) - Mathilde Missioneiro/Folhapress
Para a geriatra Aline Thomaz, as pessoas precisam saber que a recuperação é lenta e alinhar expectativa com realidade.
Uma das poucas líderes no topo da hierarquia de hospitais brasileiros, a médica geriatra Aline Thomaz, 42, CEO da rede de Hospitais São Camilo, de São Paulo, afirma que os jovens infectados pela Covid-19 internados na UTI se desesperam quando se deparam com limitações da doença, como a fraqueza muscular.
"Os jovens estão com muito medo, apavorados, de não se recuperar das sequelas. Para o jovem, esperar é um grande sacrifício", diz a geriatra, especialista em administração hospitalar.
Natural de Porto Nacional, município de 53 mil habitantes no Tocantins, a médica está na rede São Camilo desde 2014, onde atuou como geriatra, gestora da unidade Granja Viana e foi responsável por um projeto, até então inédito no país, que instituiu geriatras em todos os prontos-socorros da rede com intuito de melhorar a assistência aos idosos.
Hospitais privados já sentem uma queda de internações por Covid. Como estão no São Camilo a ocupação e o estoque do kit intubação?
Nas últimas duas semanas, houve um declínio de 45% de pacientes Covid na rede, mas pensando isso ocorreu dentro de uma rede já expandida para recebê-lo. É um alívio para gente, que não atende só Covid. O nosso temor, dia a a dia, hora a hora, era de faltar leitos para atender a população. Mas, graças a Deus, não tivemos nem ausência de leitos, nem de medicamentos.
Conseguimos importar a tempo os bloqueadores neuromusculares. A chegada foi marcante. Se não chegasse naquele dia, não ia ter remédio. Graças a Deus, deu certo e eu consegui dormir naquele dia.
Hoje, se a gente voltasse ao momento mais crítico, no dia 30 março, teríamos 15 dias de fôlego sem grandes problemas. Estamos numa situação mais confortável com a queda dos casos. E temos emprestado para outros hospitais.
Neste ano, os pacientes com Covid que ocupam as UTIs são mais jovens? Há alguma diferença na forma de lidar com eles?
Mudou muito. Quase não tem mais os chamados grandes idosos, acima de 80 anos. A grande maioria tem menos de 40 anos. A geração floco de neve, jovens entre 25 e 35 anos, está sofrendo muito com a doença. Eles estão apavorados, com medo da repercussão da Covid.
Como assim?
É uma doença que debilita muito o indivíduo, você perde força muscular, tem mialgia, não consegue levantar o braço. As pessoas precisam entender que é isso mesmo, mas elas vão se recuperar. Mas a recuperação não será como um resfriado, em três dias.
Se as pessoas não entenderem isso, tem uma atmosfera de que está acabada a vida, e não está. A gente precisa falar sobre o processo reabilitador pós-Covid. As pessoas que estão passando pela fase grave da doença precisam entender isso porque o sofrimento psíquico é muito grande.
Por que essa recuperação do tempo de internação é tão lenta?
Se você deixa de usar a musculatura, ela esquece como deve ser usada. É só a gente pensar que, quando fica o dia inteiro deitado na cama, quando levanta está tudo muito dolorido.
É o mesmo raciocínio que a gente usa para a pessoa na UTI. Essa musculatura não trabalha. Para cada dia de UTI, estudos mostram que um idoso vai levar de cinco a sete dias para se recuperar do ponto de vista de vigor muscular.
O mesmo raciocínio vale para os jovens. Para cada dia de UTI, vai levar de três a cinco dias para se recuperar. E para cada dia de unidade clínica, vai demorar dois ou três. Então uma pessoa jovem vai precisar, depois da alta, de 30 a 50 dias para ficar reabilitado. Isso se ela fizer todos os exercícios.
Para o jovem, isso deve ser muito difícil...
Sim, os jovens estão com muito medo. É a primeira grande doença que muitos desses jovens enfrentam. Sentem um baque muito forte. É ainda misterioso o processo da agressividade desse vírus.
Os jovens têm ficado mais tempo na UTI?
A doença está diferente. No início, a preocupação eram os primeiros dez dias porque, depois, o vírus já estava indo embora. Agora, não. A pessoa vai relativamente bem no início e começa a piorar no oitavo ao 14º dia. O processo inflamatório quando vem, vem como uma explosão.
O indivíduo entra em questão de horas em insuficiência cardíaca. Isso acontece muito com o jovem.
Por isso, o tempo de internação tem sido maior. Tem paciente que fica 30 dias na UTI, aí ele faz a síndrome do doente crítico, não tem força nenhuma, e precisa de reabilitação mais intensa para conseguir ficar em pé de novo.
Qual o principal sintoma que mais persiste após a alta?
É o cansaço muscular. A pessoa vai fazer qualquer coisa e fica exausta. E não é falta de ar, é a musculatura mesmo. A pessoa vai tomar banho e já fica cansada.
E o impacto emocional?
É muito violento. Temos feito um trabalho de suporte psíquico com nossos pacientes justamente para explicar que, sim, é uma doença grave, mas que você está recebendo tudo o que precisa. Eles precisam alinhar a expectativa com a realidade.
Quanto mais a expectativa se distancia da realidade, mais frustrada fica a pessoa. Para que você tenha um melhor resultado, é fundamental entender que, sim, pode ter medo, mas ele não pode te paralisar, ele tem que te tornar prudente.
Os mais jovens manifestam algum tipo de culpa por ter se infectado?
Teve uma menina de menos de 30 anos que, logo depois de ser extubada, a primeira coisa que ela disse foi: 'Não deveria ter ido naquela festa'. Pelo menos tem consciência disso... A equipe riu, me contou.
A senhora é uma das poucas CEO à frente da gestão de uma grande rede de hospitais. Ainda é uma área muito masculina. Tem enfrentado alguma dificuldade?
A área da saúde tem sido feminilizada. O processo administrativo da saúde caminha por esse espaço.
Nunca sofri preconceito. Mas, na posição de CEO, me alertaram que era algo raro. Isso é importante, nos dá mais empoderamento e traz um toque mais cuidadoso aos processos.
Antes de ingressar na rede São Camilo, a senhora teve uma passagem no SUS. Como foi isso?
Inseri-me nos projetos do SUS como geriatra do núcleo de apoio da saúde da família na periferia de São Paulo. Era um projeto da Faculdade de Medicina da USP. Fiquei durante três anos trabalhando como médica geriatra no apoio matricial dos médicos de família da região da Raposo Tavares.
Ali é muito violento e eu sofri uma violência. Eles assaltaram meus colegas e eu fui ameaçada com arma de fogo por um traficante para atender o pai dele. Foi uma situação muito desgastante e eu concluí que não ia conseguir trabalhar dessa forma. A gente precisa apoiar o SUS em tudo e acho que é por isso que estou na rede São Camilo, temos muitos hospitais que administramos que são do SUS.
ALINE THOMAZ, 42
Cursou medicina na Universidade Federal de Goiás, fez residência de clínica médica federal do Mato Grosso do Sul. Especializou-se e fez doutorado em geriatria na USP e, depois, pós-graduação em administração hospitalar na FGV. Ingressou na rede São Camilo em 2014, já foi gestora de projetos de geriatria e da unidade Granja Viana. Desde janeiro, é a CEO da instituição (Folha de S.Paulo, 22/4/21)
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