Doutrina espírita - ciência, filosofia e religião

Doutrina espírita - ciência, filosofia e religião

Por Silvia Helena Visnadi Pessenda

sivipessenda@uol.com.br

O espiritismo é uma religião? Em que se alicerça sua doutrina? Por que ela empreendeu uma revolução espiritual e moral? É-nos possível conciliar a fé com a razão? É viável a união da Ciência com a Religião? Quando é que um indivíduo, na condução do seu cotidiano, filosofa? De que maneira podemos reverenciar a Deus?      

O Espiritismo não é uma religião propriamente dita, em virtude de não possuir rituais, cerimônias, liturgias e sacramentos. É mais uma doutrina, ou seja, um conjunto coerente de ideias fundamentadas, de tríplice aspecto: o religioso, o científico e o filosófico.

O Espírito Emmanuel, numa mensagem intitulada “O sublime triângulo”, assim se expressa sobre o alicerce dessa doutrina:

A Ciência, a Filosofia e a Religião constituem o triângulo sobre o qual a Doutrina Espírita assenta as suas próprias bases, preparando a Humanidade do presente para a vitória suprema do Amor e da Sabedoria no grande futuro”

(...) Não será justo em nosso movimento libertador da vida espiritual, prescindir da Ciência que estuda, da Filosofia que esclarece e da Religião que sublima. [1]

Como a Doutrina Espírita, através do seu tríplice aspecto, pode nos direcionar para a conquista do amor e da sabedoria?

Inicialmente, falemos sobre o seu aspecto científico.

Quando o Espiritismo surgiu, a contribuição da Ciência foi fundamental para uma maior aceitabilidade de seus postulados. Cientistas ilustres e pesquisadores conscientes não se perturbaram com as ideias preconceituosas lançadas sobre a Doutrina na época, e passaram a investigar e a estudar as manifestações da alma – encarnada e desencarnada –, provando, cientificamente, que a extinção do ser após a sua morte física não existe.

Assim, seu aspecto científico explica os mecanismos desse intercâmbio do mundo espiritual com o mundo físico, bem como as leis que regem o Universo e a vida moral de cada um de nós, nessa interligação da criatura humana com o Todo, com tudo e com todos.

Allan Kardec, ao codificar o espiritismo, deixou-nos algumas máximas. Uma delas é a que diz: “Não há fé inabalável senão aquela que pode encarar a razão face a face, em todas as épocas da Humanidade.” [2]

Ao conciliarmos a fé com a razão, é-nos seguramente possível crer em Deus e na Sua infinita sabedoria, pois sabemos por quê cremos; torna-se fácil acreditar na imortalidade da alma, porque compreendemos a nossa condição de seres imortais; é-nos sensato atentar para a própria evolução, porque sabemos das consequências que nos advirão tanto pelo esforço dessa busca como pelo descaso para com ela.

E o porquê de termos uma fé alicerçada na razão? Para que:

  • ela possa se robustecer. Com a utilização da inteligência e do raciocínio lógico para o entendimento das questões espirituais, ampliamos nosso discernimento quanto à realidade física e extra-física;
  • não nos tornemos fanáticos na condução da própria religiosidade. Respeitar a crença e as opiniões alheias significa compreender que cada criatura tem o direito de optar pela religião que mais atenda às suas necessidades morais e espirituais; e
  • possamos melhor avaliar tudo aquilo que verdadeiramente convém ao nosso crescimento pessoal.

O escritor espírita Clóvis Tavares, ao se referir sobre a contribuição do Espiritismo, escreveu que ele faz:

... o homem saber e conhecer, estudar e investigar, buscar e amar as grandes e belas leis que governam o Universo de Deus. A Doutrina Espírita se traduz por revolução espiritual que inicia uma nova era de desenvolvimento moral e espiritual da raça humana, lançando uma nova luz, poderosa e inapagável, sobre as verdades religiosas, explicando-as, fortalecendo-as e tornando-as aceitáveis tanto ao sábio quanto ao simples. [3]

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O Espírito Emmanuel, na mensagem “O sublime triângulo”, afirma que o espiritismo também tem uma filosofia que esclarece”.

No sentido original do termo, filosofia significa “amor à sabedoria”. Mas, na prática, ela diz respeito a um conjunto de estudos, de sistemas de pensamento e de reflexões intelectuais que visam compreender a realidade absoluta, as causas elementares, os fundamentos dos valores e das crenças humanas, o sentido da existência.

E esse sistema de princípios, que a Filosofia representa, surgiu na Grécia, por volta do ano 500 a.C., como uma necessidade de explicações mais plausíveis – ou seja, um tanto mais aceitáveis e razoáveis – para tudo aquilo que o homem ainda não conseguia compreender plenamente.

E quando um indivíduo, na condução de seu cotidiano, filosofa? Quando ele:

  • diante do seu inconformismo ou da sua incompreensão, questiona a ordem das coisas;
  • perante suas dúvidas, repensa conceitos e valores;
  • em consequência dos problemas que vivencia, dos desejos que alimenta, dos conflitos que carrega, busca alternativas no sentido de melhor compreender e administrar tudo aquilo que ainda lhe parece bastante dificultoso. 

Sócrates, o grande filósofo da antiguidade, nascido na Grécia em 470 a.C., na obra O Evangelho segundo o Espiritismo, é considerado – juntamente com o seu discípulo e também filósofo Platão –, um dos precursores do Cristianismo e da própria Doutrina Espírita.

E qual o por quê dessa reverência para com ele? Porque o pensamento central dos princípios socráticos diz respeito ao bem e à verdade que cada indivíduo já traz em si. Para ele, o homem, através de uma autorreflexão, deveria entrar em contrato com a voz da sua própria consciência, aprendendo, com isso, a se autodescobrir, a se autovalorizar e, consequentemente, a se autorrealizar.

Sócrates, ao enfatizar essa busca da verdade íntima, a sintetizou em algumas palavras que conseguiram atravessar os séculos: “conhece-te a ti mesmo”. E essa máxima, para a Doutrina Espírita, representa o ponto de partida para a construção da própria felicidade e progresso.

Allan Kardec, na questão 919, de O Livro dos Espíritos, questiona a Espiritualidade Superior:

“Qual o meio prático e mais eficaz para se melhorar nesta vida, e de resistir aos arrastamentos do mal?”

Resposta:          

“Um sábio da antiguidade vos disse: Conhece-te a ti mesmo.

(...) O conhecimento de si mesmo, portanto, é a chave do progresso individual.”  [4]

Ao nos interessarmos pela descoberta de nossas verdades mais íntimas – através dessa análise do próprio caráter –, nos sentimos impelidos à busca de conhecimentos superiores. E quando eles passam a influenciar a nossa maneira de pensar, de sentir e de agir, nos habilitamos a penetrar níveis elevados de progresso, de evolução.

A Filosofia, portanto, é um conjunto de estudos e de princípios que se manifesta, sobretudo, pelo seu amor à sabedoria e pela procura incessante da verdade. E é esse amor à sabedoria e à verdade, à vida, a Deus e ao progresso, que a filosofia espírita objetiva ampliar em cada um de nós, para que possamos dar um sentido elevado à própria existência e, com isso, encontrar o prazer de “buscar e amar as grandes e belas leis que governam o Universo de Deus”, conforme palavras de Tavares.

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Enfoquemos o terceiro aspecto da Doutrina Espírita: o religioso. Na mensagem “O sublime triângulo”, temos que o espiritismo tem também por alicerce uma “religião que sublima”.

Um dos significados da palavra religião é “sentimento consciente de dependência ou submissão que liga a criatura humana ao Criador”. [5]

A Doutrina Espírita ensina que necessitamos reverenciar a Deus através do aprendizado do amor. E para isso só existe um caminho, que é o daquele que afirmou: “Eu sou o Caminho, e a Verdade, e a Vida; ninguém vem ao Pai senão por mim”. (Jo 14:6) [6]

Na questão 625, de O Livro dos Espíritos, Allan Kardec pergunta:

“Qual é o tipo mais perfeito que Deus ofereceu ao homem para lhe servir de guia e de modelo?”

E a Espiritualidade Maior responde:

“Vide Jesus”

No entanto, Kardec complementa:

Jesus é para o homem o modelo de perfeição moral que a Humanidade pode pretender sobre a Terra. Deus no-lo oferece como o mais perfeito modelo e a doutrina que ensinou é a mais pura expressão da sua lei, porque ele estava animado de espírito divino e foi o ser mais puro que apareceu sobre a Terra. [4]

Jesus, por ter possuído todas as qualidades de um homem de caráter sublimado foi aquele que exemplificou, enfaticamente, os mais importantes valores inerentes a uma vida digna e superior: o respeito, a solidariedade, a fraternidade, a generosidade, a amizade, a compreensão, a simplicidade, a honestidade...

Ao deixar-nos como mandamento máximo o “amar a Deus acima de tudo e ao próximo como a si mesmo” (Mc 12: 30-31) [6], abriu-nos um leque de mil possibilidades para que pudéssemos construir a harmonia e a felicidade tanto dentro como fora de nós.

A literatura espírita está sempre a enfatizar que o bem que façamos aos outros, seja ele da intensidade que for, desde que leal e verdadeiro, será sempre a garantia do nosso próprio bem, pois quando procuramos contribuir para com a satisfação alheia, encontramos a nossa própria felicidade.

E para o aspecto religioso da Doutrina, Allan Kardec deixou como máxima: “Fora da caridade não há salvação”. [7]

Benevolência, indulgência e perdão – entendimento do que seja a caridade, conforme a questão 886 de O Livro dos Espíritos – para conosco e para com o próximo, pois, com essa disposição íntima, atraímos maior quota de harmonia para os nossos dias de aprendizado neste planeta.

Ao ter em Jesus um Mestre e Guia, o Espiritismo nos direciona a uma religiosidade mais sublimada, porque esclarece a nossa consciência quanto à importância de se buscar planos mais elevados de sensibilidade e de emoção.

 

ALIANÇA DA CIÊNCIA E DA RELIGIÃO

A Ciência e a Religião são as duas alavancas da inteligência humana; uma revela as leis do mundo material e a outra as leis do mundo moral; mas umas e outras, tendo o mesmo princípio que é Deus, não podem se contradizer; se elas são a negação uma da outra, uma necessariamente é errada e a outra certa, porque Deus não pode querer destruir a sua própria obra. A incompatibilidade que se acreditava ver entre essas duas ordens de ideias prende-se a um defeito de observação e a muito de exclusivismo de uma parte e da outra; daí um conflito de onde nasceram a incredulidade e a intolerância.

Os tempos são chegados em que os ensinamentos do Cristo devem receber seu complemento; em que o véu intencionalmente, lançado propositadamente sobre algumas partes desse ensino, deve ser levantado; em que a Ciência, deixando de ser exclusivamente materialista, deve inteirar-se do elemento espiritual, e em que a Religião, cessando de menosprezar as leis orgânicas e imutáveis da matéria, essas duas forças, apoiando-se uma sobre a outra, e andando juntas, se prestarão um mútuo apoio. Então a Religião, não recebendo mais o desmentido da Ciência,  adquirirá uma força inabalável, porque estará de acordo com a razão, e não se lhe poderá opor a irresistível lógica dos fatos.

A Ciência e a Religião não puderam se entender até hoje, porque, cada uma examinando as coisas sob seu ponto de vista exclusivo, se repeliam mutuamente. Seria preciso alguma coisa para preencher o vazio que as separava, um traço de união que as aproximasse; esse traço de união está no conhecimento das leis que regem o mundo espiritual e suas relações com o mundo corporal, leis tão imutáveis como as que regem o movimento dos astros e a existência dos seres. Essas relações, uma vez constatadas pela experiência, uma nova luz se fez: a fé se dirigiu à razão, a razão não encontrou nada de ilógico na fé, e o materialismo foi vencido. Mas nisso, como em todas as coisas, há pessoas que permanecem para trás, até que sejam arrastadas pelo movimento geral que as esmagará, se quiserem resistir-lhe em lugar de a ele se abandonarem. É toda uma revolução moral que se opera neste momento e trabalha os espíritos; depois de elaborada durante mais de dezoito séculos, ela se aproxima do seu cumprimento, e vai marcar uma era nova na vida da Humanidade. As consequências dessa revolução são fáceis de prever; deve trazer, nas relações sociais, inevitáveis modificações, às quais não está no poder ninguém se opor, porque estão nos desígnios de Deus e resultam da lei do progresso, que é uma lei de Deus [8]

 

REFERÊNCIAS

[1] ESPÍRITOS diversos; XAVIER, Francisco Cândido (psicografado por). Fonte de paz. 4. ed. Araras, SP: IDE,1997. Cap. 15. p. 67-69.

[2] KARDEC, Allan. O Evangelho Segundo o Espiritismo. Tradução de Salvador Gentile, revisão de Elias Barbosa195. ed. Araras, SP: IDE, 1996. Cap. 19. Item 7.

[3] TAVARES, Clóvis. Mediunidade dos santos. Obra póstuma, concluída por Flávio Mussa Tavares. 4. ed. Araras, SP: IDE, 1994. Cap. 2. p. 32-33.

[4] KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. Tradução de Salvador Gentile, revisão de Elias Barbosa100. ed. Araras, SP: IDE, 1996.

[5] MICHAELIS: moderno dicionário da língua portuguesa. São Paulo: Companhia Melhoramentos, 1998.

[6] BÍBLIA. Português. Bíblia de Estudo Almeida. Barueri, SP: Sociedade Bíblica do Brasil, 1999.

[7] KARDEC, Allan. O Evangelho Segundo o Espiritismo. Tradução de Salvador Gentile, revisão de Elias Barbosa195. ed. Araras, SP: IDE, 1996. Cap. 15.

[8] Idem. Cap. 1. Item 8.     

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